O açaí e o açaizeiro

Informações da notícia

Bem antes do sol nascer, o movimento de comerciantes já é intenso na Feira do Açaí. Desde cedo, barcos disputam lugar para atracar enquanto homens descarregam os balaios cheios de açaí. Senhores puxam carroças abastecidas, comerciantes negociam os preços aos berros, kombis estacionadas recebem o carregamento da frutinha em cestas de vime.

A Feira do Açaí faz parte do complexo do Mercado “Ver-o-Peso” e fica às margens da Baía de Guajará - Belém, PA. A feira é o principal ponto de negociação da mais querida fruta dos paraenses. Caótica somente nas primeiras horas da manhã, a movimentação em horário tão ingrato é explicada pela tradição em tomar o açaí como desjejum no café da manhã ou, no mais tardar, como refeição na hora do almoço.

Além de ser a principal fonte de alimentação de vários ribeirinhos, o açaí é também o sustento financeiro de inúmeras famílias. Um exemplo de sua importância é um senhor que freqüenta a Feira do Açaí diariamente. Com os olhos mirando o chão, ele cata os açaís que caíram dos balaios e se perderam por entre as frestas do piso de paralelepípedos. Ao avistar uma frutinha, ele abre um sorriso e se abaixa para apanhá-la. Depois de um par de horas, seu humilde saquinho plástico está repleto de açaís perdidos, garantindo sua alimentação até a manhã seguinte.


De longe o açaí lembra uma jabuticaba miúda. Mas ao tocá-lo para exame minucioso e colocá-lo na boca, percebe-se que é semelhante a um minúsculo coquinho. A fruta não possui polpa e sim um enorme caroço revestido com uma fina película arroxeada. Da sua raspagem é que se faz o chamado “vinho” de açaí, a tão conhecida bebida consumida em tigelas.

O açaí é o fruto do açaizeiro, uma palmeira nativa da região amazônica que atinge até 25 metros de altura. De formato redondo e diâmetro de, no máximo, um dedo mindinho, o açaí se frutifica em cachos. Embora seja encontrado o ano todo, é mais abundante entre os meses de julho e dezembro, e deve ser colhido quando estiver arroxeado, já maduro.

Desde cedo as crianças ribeirinhas são treinadas para subir no açaizeiro e apanhar os cachos de açaí. Descalças, elas abraçam a árvore com as mãos e os pés e usam uma espécie de corda feita com fibra de palmeira como alavanca para chegar ao topo. Anos mais tarde, recebem um facão dos pais. A lâmina deve ser colocada entre os dentes e serve para cortar o cacho. Alguns o amarram em uma corda, descendo com cuidado, para não espatifá-lo no chão, espalhando as frutinhas pelo mato.

O açaizeiro é também conhecido pelo nome de Juçara, principalmente no Maranhão. Dele praticamente tudo é aproveitado: do tronco é extraído o palmito e das folhas são feitos tetos para casas de caboclos. A polpa do açaí é altamente energética e, por ser rica em cálcio, minerais e vitaminas — especialmente B1 e B2 —, equivale a uma refeição. Mas as pessoas que vigiam a balança devem ter cuidado: o açaí é bastante calórico e gorduroso – cada 100 gramas de polpa possui 248 calorias e 9 gramas de gordura.

As vendas de açaí
Por toda Belém há placas vermelhas com letras brancas escritas “açaí”, anunciando os pontos de venda. Cada morador tem sua predileção. Se alguns preferem os pontos que vendem uma polpa grossa e pesada, há aqueles que optam por uma mais diluída e barata. Há ainda que dê preferência às lojas com atendimento cortês de e outros que preferem aquelas que servem o açaí colhido em determinada região do Pará – tal como o catado na Ilha das Onças, por muitos o local com os melhores açaizeiros.

As lojas de açaí têm o maior movimento de clientes no horário da manhã. Não é raro encontrá-las fechadas após o almoço. O visitante deve optar por conhecê-las bem cedo. É nas primeiras horas da manhã que há uma imensa quantidade de frutinhas imersas em tanques com água sendo lavadas. Em alguns pontos, a temperatura da água é morna, o que favorece o amolecimento da polpa. Depois dessa fase, o açaí é despejado em uma centrífuga que raspa a película roxa. Nos pontos onde há maior preocupação com a higiene, funcionários vestem jalecos e cobrem seus rostos com máscaras para evitar possível contaminação. São eles os responsáveis por controlar a grossura da polpa, colocando mais ou menos água dentro da centrífuga. Em alguns pontos, o açaí não pode ser consumido no local. Deve ser comprado em litros e levado para casa dentro de invólucro plástico.

Almoço no Ver-o-Peso
Em Belém, o consumo de açaí é tão grande que supera o de leite em duas a três vezes. Mães paraenses chegam a oferecê-lo em mamadeira a seus bebês. Para averiguar a paixão do belenense pelo açaí, a melhor opção é estar sob as tendas beges do Mercado Ver-o-Peso na hora do almoço. É ali que centenas de homens e mulheres disputam um banco diante de seu box favorito para fazer sua principal refeição do dia. No cardápio, açaí com peixe frito.

Em Belém, o brasileiríssimo arroz com feijão está em segundo plano. O típico almoço num box do Ver-o-Peso tem início ao ser servida uma concha da polpa de açaí numa cumbuca e acompanhada de uma posta de peixe frito. Garfo e colher são entregues ao freguês. Se a escolha for imitar os nativos, inicia-se a refeição juntando-se um punhado generoso de farinha de mandioca ao açaí. Mistura-se bem até virar uma espécie de papa. Depois, sobre o peixe, colocam-se muitas gotas de molho de tucupi com pimenta-de-cheiro. Pronto: é hora de dar a primeira colherada. Segue-se uma garfada no peixe frito.

Ao lado, muitos já estão no meio da refeição. O vai e vem de pessoas é constante. Logo que um banco é desocupado, aparece alguém que já toma o assento. Ao longo da refeição, mãos diversas cruzam o ar em busca do pote com farinha ou da garrafa plástica com molho de pimenta. E se num canto um solitário pote de açúcar descansa por minutos a fio, é porque os freqüentadores do Ver-o-Peso acham estranho misturá-lo ao açaí. Mas muitos dizem que não se importam se alguém prefere a polpa com açúcar e farinha de tapioca ou, ainda, gelada ou ao natural, com carne seca. Ao final, todos terão uma coisa em comum: uma língua tingida de roxo escuro.

No Rio, açaí com mel, banana e granola
No Rio de Janeiro, tomar uma tigela de açaí depois da academia é programa corriqueiro. Fora da região Norte, a capital fluminense é onde a fruta mais faz sucesso. Se em Belém, a polpa é consumida por necessidade, junto de farinha de mandioca ou tapioca, no Sudeste é símbolo de vitalidade e energia da chamada “geração saúde”. Os cariocas passaram a tomar o açaí influenciados pelo folhetim de TV Malhação. Após a academia, de camiseta regata e chinelo de dedos, adolescentes e jovens adultos buscam um quiosque que sirva a polpa. A predileção dos cariocas é por uma tigela de açaí com granola, mel, xarope de guaraná e “muitassh fatiassh de bananassh”.